domingo, 16 de outubro de 2011

Reflexão de um participante

Indignad@s 15 de Outubro - reflexão de um participante
Domingo, 2011-10-16 16:39 — Marlexis

Ontem tive a oportunidade de participar na manifestação d@s indignad@s, como se convencionou chamar. Caminhámos do Marquês de Pombal ao Parlamento, com muita gente e reivindicações diversas, mas tudo isso pode ser visto/lido na comunicação social.

Gostaria por isso de me debruçar sobre outros aspectos que não são tão facilmente perceptíveis para quem de fora toma contacto com o acontecimento, através da comunicação social. Deixo também este texto como uma reflexão para quem esteve presente no local e para quem se ocupa com a organização deste movimento (organização essa que, recordo, pode ser partilhada por qualquer pessoa que o deseje e tenha para tal disponibilidade).

Ocorrem-me três aspectos a comentar: a) a organização da chamada assembleia popular; b) as propostas apresentadas; c) a oportunidade/hora das votações. Outros pontos haveria a discutir, como a forma de tomar as decisões, a aparente censura de que algumas pessoas que pretendiam falar terão sido alvo, a tentativa de desesperado controlo que a organização tentou ter sobre o comportamento d@s manifestantes, etc. Mas os três aspectos acima referidos e abaixo descritos já dão pano para mangas.

a) Estando pelas 19h ainda bastante gente presente diante do parlamento, pela minha observação entre 5.000 e 10.000 pessoas, começa a chamada assembleia popular. Esta funcionou com inscrições para tomar a palavra. Ponto. Nada mais do que isto. Quem queria falar inscrevia-se e aguardava pela sua vez para chegar ao microfone, o que aconteceu com cerca de 50 a 100 pessoas (não contei as intervenções). Ora 50 ou 100 é 1% do número de pessoas inicialmente presentes no local, o que significa que com esta forma de funcionamento a chamada assembleia popular deixou fora de qualquer possibilidade de participação 99% das pessoas presentes, sendo por isso mais aparentada com um comício, o que aliás é bem mais compatível com muitas das intervenções inflamadas que ocorreram.
Se queremos que a democracia se fortaleça e aprofunde, há que pensar outras formas de organização assembleária. Já no Rossio se (des)organizavam as assembleias desta forma, com o fracos resultados que se conhecem.

b) As propostas apresentadas a votação foram aquelas que as pessoas entenderam por bem fazer. Algumas dessas propostas foram a expropriação da banca, marcação de novas assembleia e manifestações ou ocupação do programa da TVI Casa dos Segredos. As pessoas votavam cada proposta de braço no ar. Ora gostaria de saber como é possível votar (decidir sobre) uma proposta de expropriação da banca, sem saber nada sobre como isso se irá fazer, de que contornos mais específicos se reveste, quem fica responsável/coordenador por tal, etc. Igualmente com a proposta que eventualmente será a mais mediática de todas, a ocupação da Casa dos Segredos. Como tencionam as pessoas que propuseram, bem como as pessoas que aprovaram esta proposta, concretizá-la? Todo este processo está muito verde e padece de seriedade e credibilidade. No caso de a Casa dos Segredos não vir a ser ocupada, um rude golpe será desferido na já pouca (porque ainda não conquistada) credibilidade destas assembleias.

c) Para finalizar, a questão da hora a que foram efectuadas as votações das propostas. Foi uma hora tardia, depois de várias horas e vários discursos do palanque, em que me parece que restariam entre 1.000 a 2.000 pessoas no local, ou seja, uma pequena parte das pessoas que estiveram presentes no início da chamada assembleia popular. Mais uma vez, este comportamento da parte de quem coordenava os trabalhos parece carecer de seriedade e credibilidade, ferindo com gravidade um processo que dá os primeiros passos e que deverá ser ponderado com todo o cuidado.

Em jeito de conclusão, percebe-se que é imperioso inverter este rumo, pensando as assembleias como um local de construção de saber e de emancipação e não como um palanque de exposição de pessoas mais atrevidas e eloquentes. É imperioso usar metodologias comprovadas de organização da participação popular. Temos que nos socorrer de profissionais que fazem do estímulo à participação pública o seu mester, para que com eles/elas possamos criar assembleias verdadeiramente participativas. É imperioso também que as organizações/associações/colectivos das sociedade civil sem vínculos partidários se assomem a este processo, minimizando a influência que certos partidos com respectivas agendas têm, para que as assembleias sejam uma verdadeira mostra da vontade das pessoas e não da vontade de certos partidos ou facções.

Um indignado

publicado em http://gaia.org.pt/node/16073

3 comentários:

  1. comentando (1ª parte)

    Apesar de todas as críticas que eu próprio possa tecer acerca do funcionamento das assembleias populares, alguma coisa aqui não bate certo.
    Vejamos ponto por ponto alguns dos respeitáveis argumentos que o Sr. Indignado invoca:

    a) 1% de vozes e 99% de silêncios é tramado - eu diria mais, é o caminho mais rápido para a ditadura; na década de 70 chamava-se a isso a «maioria silenciosa»... Vamos fazer regredir o tempo; regressemos às 15 horas do dia 15 de Outubro de 2011. Refaçamos tudo quanto fizemos, mas agora corrigido à luz clara dos erros cometidos. Será um prazer, sem dúvida. Reiniciemos essa nossa assembleia, dando agora a palavra a 10.000 pessoas que certamente têm muitas coisas urgentes para dizer (além da melhor escolha para a selecção nacional, claro está) e carradas de propostas concretas a apresentar. Por razões práticas, limitemos o tempo de intervenção de cada pessoa a 3 minutos. Vamos lá tentar fazer isto com o rigor, a hombridade e a isenção que o Sr. Indignado sugere. Temos então:

    10.000 pessoas * 3 minutos / 60 minutos = 500 horas
    500 horas / 24 horas = 21 dias ininterruptos de assembleia.

    Mas é claro que, ainda assim, isto não está certo - as pessoas têm de comer, de dormir, de cagar, de mijar, de ir a casa dar uma queca, etc. Estipulemos então um horário de trabalho assembleário de 8 horas diárias, 5 dias por semana, para não atentarmos contra os princípios humanitários pelos quais nós próprios tanto lutamos.
    Por conseguinte:
    Se numa semana de 7 dias produzirmos 5*8=40 horas de trabalho assembleário, então 500 horas de trabalho terão de ser produzidas em:

    X = 7 * 500 / 40 = 87,5 dias
    (ou seja aproximadamente 3 meses, se houver algum feriado pelo meio)

    Isto sim, meus amigos, isto é que seria um verdadeiro processo democrático e mobilizador.

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  2. comentando (2ª parte)

    c) A assembleia arrastou-se, e quando chegou o momento da votação já só estariam umas 1000 pessoas (uma delas não era eu próprio, que entretanto vim para casa dormir uma soneca, na tentativa de manter em bom estado os meus 60 anos de debates e combates). Portanto, vamos lá ver se entendo bem a lógica do Sr. Indignado: o que esteve errado não foi a hora tardia da votação, mas sim a precipitação da votação!, que apenas deveria ter sido realizada 90 dias depois. Sem dúvida o que nos faz falta nas assembleias é este formidável rigor lógico.

    b) Tanto quanto sei, foram aprovados vários apelos. Obviamente a assembleia apenas pode apelar a certas coisas; não pode fazê-las - uma assembleia de 10.000 pessoas não pode fazer uma greve nacional, não pode suspender o pagamento do serviço da dívida, não pode nacionalizar a banca e sujeitá-la ao controle das populações. Pode apenas apelar - tal como eu não posso ser honesto por outrem, apenas posso apelar a que esse outrem seja honesto comigo.
    Qual terá sido a parte difícil de entender aqui? Vou deitar-me a adivinhar: será o significado de nacionalização da banca? Se calhar é por aí. O que é a nacionalização da banca? Como se faz? Ninguém se deu ao trabalho de explicar. Está mal. Foi desonesto.
    Ora bem, tiramos daqui uma conclusão formidável: em atenção às pessoas que vêm às assembleias discutir os problemas comuns da população sem no entanto se documentarem sobre eles, antes de iniciarmos a assembleia devemos fazer cursos intensivos e seminários sobre todos os temas de actualidade nacional e internacional que afectam a vida comum dos cidadãos portugueses, para que não se corra o risco de virem elas a uma assembleia popular sem fazerem a mínima ideia do que se está ali a debater.
    Mas um tal conjunto de cursos e seminários duraria, pelos meus cálculos, coisa de 3 anos - e é se for a despachar...
    Ou seja, a votação dos magnos assuntos propostos na assembleia foi forçada, foi precipitada na brutal quantia de 3 anos e 3 meses, com o óbvio fim de enganar os tolos. Mais uma vez estou impressionado com a lógica poderosa que nos é aqui proposta.

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  3. comentando (3ª e última parte)

    e) Não quero, sinceramente não quero ofender ninguém, quero mesmo ser compincha e marchar solidariamente ombro com ombro, mas... é preciso uma certa candura (ou juventude, ou inexperiência, ou cegueira, eu sei lá) para pensar que uma assembleia de 100.000, ou mesmo 10.000 pessoas, pode ser democrática, esclarecedora e equitativa. Uma assembleia dessa magnitude, quaisquer que sejam os métodos usados, chama-se, com toda a propriedade, comício. A palavra tem origem no lugar onde os antigos Romanos reuniam para discutir os seus assuntos. Deu no que deu, como sabe quem aprecia ler livros de História - uns quantos césares apunhalados e umas quantas cidades incendiadas.

    d) Não existe a mais pequena dúvida de que todas as organizações políticas e partidárias sofrem dum lastimável vício seminal congénito: a ganância do poder. Esta ganância do poder expressa-se na vida comezinha e quotidiana através de horríveis actos concretos (por vezes mesmo brutais, chegando a haver quem escreva preto no branco, ainda há poucos dias: «Silenciem esse Fulano "by all necessary means"»), actos de ganância de tudo controlar sem dar ouvidos a ninguém - e um dia mais tarde, quando finalmente chegam ao poder e já não estão a brincar a feijões, a ganância do dinheiro. É um facto, é histórico, é presente, não tenho nada a contrapor.
    Como conseguem eles fazer isso impunemente? - à custa de militância, persistência, combatividade. Lastimo muito desfazer mitos, mas na verdade nem sequer é à custa de retórica, que aliás é paupérrima na maioria dos casos. Trata-se apenas de labor militante, puro e duro, apesar de geralmente bastante tosco. E vencem apenas porque os caguinchas que se escondem debaixo da mesa e choramingam «mamã, aquele menino roubou-me a bola» não são capazes de dar mostras da mesma vontade, da mesma persistência, da mesma militância - abandonam o terreno e entregam o castelo.

    Mas, espera aí... esses choramingas que se escondem debaixo da mesa não serão os mesmos que, pelas mesmas razões, pelos mesmos métodos e pelos mesmos comportamentos, permitem passiva mas objectivamente que os políticos que já não jogam a feijões, que jogam com o nosso dinheiro, façam o seu jogo?

    Um Indignado que subscreve aquilo que diz: Rui Viana Pereira

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