sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Capitulação


fonte: Público

Manifestação de 12 de Março deu voz a "um sentimento antipartido" 
PAULO PIMENTA

Movimentos sociais de protesto estão à frente dos partidos e a falta de confiança nos políticos é o maior problema
Por São José Almeida

O estudo revela que os cidadãos têm a percepção de que os governos são pouco autónomos e capitulam perante interesses "erráticos"
Os portugueses sentem-se mais representados por movimentos sociais de protesto do que pelos partidos políticos. Esta é uma das conclusões que o estudo do Barómetro da Qualidade da Democracia aponta. Num total de 100%, 12% dos inquiridos afirmaram que entre as "instituições e agentes individuais de representação política" existentes na sociedade portuguesa, aquela pela qual que se sentam melhor representados é os "movimentos sociais de protesto", enquanto outros 10% apontam os "partidos políticos", uma percentagem que é igualada pelos que apontam "os sindicatos". À frente deste indicativo de representatividade surge o Presidente da República, com 22% de preferências. E em último os autarcas, com apenas 3%, atrás até da Igreja, com 7% de escolhas.

Para Luís de Sousa, sociólogo e um dos autores do estudo, o facto de "os movimentos sociais ultrapassarem os partidos reflecte o 12 de Março". Outro autor do estudo, António Costa Pinto, argumenta que "a participação em movimentos sociais surge pelo forte sentimento antipartido", acrescentando que, quando fala de manifestações sindicais, "também expressam esse sentimento de desconfiança", ou seja, "quanto mais a iniciativa é independente dos partidos, mais adesão tem". Por isso, Costa Pinto diz que "isso leva a crer que mesmo o protesto da crise não será canalizado para os sindicatos nem para os partidos". A desconfiança em relação aos partidos é explicada por Luís de Sousa com "a consciência que as pessoas têm, porque vêem a cartelização do Estado pelos partidos". Já sobre a posição dos autarcas neste questionário Luís de Sousa realça que "os autarcas surgem colocados numa escolha com actores nacionais", mas acrescenta que "também estão representados agentes civis e religiosos". E conclui que "a ideia de que os autarcas são os que melhor representam as populações não se comprova".

PR sempre foi referência

Já quanto ao facto de o Presidente da República ser a instituição em cuja representação se revêem mais inquiridos deve-se, segundo Luís de Sousa, a que "o Presidente da República foi sempre uma referência para os portugueses" e "há expectativa de que actue como principal magistrado da nação". Uma espécie de caudilhismo que, na sua opinião, "combina com os sentimentos crescentes de autoritarismo que são comuns em períodos de austeridade".

Também António Costa Pinto sustenta que "isto é típico do sistema semipresidencialista", que faz com que "a sociedade tenha sempre expectativas superiores em relação ao Presidente da República do que os poderes deste apontam". Algo que "também faz do Presidente um sector de esperança".Porém, Luís de Sousa adverte que este indicador pode estar em perda, porque o Presidente "tem tomado posições sobre a situação e depois tem uma intervenção que não é consistente, alerta para erros, mas depois tem a atitude de assine-se e aprove-se". E o sociólogo conclui: "As pessoas que se manifestam nas ruas não são iletradas, sabem qual o papel do Presidente no permitir de inconstitucionalidades."

Credibilidade dos políticos

A descredibilização dos políticos é uma das conclusões deste estudo. Indicador relevante para essa conclusão é a resposta perante a pergunta sobre qual o "maior defeito da democracia em Portugal", em que 19% dos inquiridos respondem "falta de confiança nos políticos/governo", 11% apontam os "governantes não eficazes" e 10% a "corrupção".

É por isso que Luís de Sousa conclui que "os três problemas da democracia em Portugal mostram como há uma degradação do ponto de vista ético das lideranças que se torna mais acentuada com as medidas de austeridade". Por isso, acrescenta que "não espanta" que seja "a suspensão imediata do mandato de um político formalmente acusado de corrupção" a "medida de responsabilização mais indicada", com uma adesão de 82% dos inquiridos.E essa descredibilização dos políticos leva a que os inquiridos escolham o Presidente como o principal agente de responsabilização horizontal dos abusos dos governos, com 52% dos inquiridos a apontarem-no.

Governos condicionados

Ambos os autores deste estudo destacam a ideia expressa daquilo que pode ser denominado "capitulação do Governo". Na aferição das "percepções sobre autonomia dos políticos" 44% dos inquiridos respondem "pouca/nenhuma margem de manobra" perante a pergunta: "Até que ponto acha que os governos em Portugal têm margem de manobra para tomar decisões, independentemente da situação económica internacional?"

Por sua vez, 66% respondem "nada/pouco protegidos" à pergunta: "Em que medida acha que os governos em Portugal estão protegidos de pressões excessivas de interesses corporativos?" E 68% dizem "nada/pouco protegidos" à pergunta: "Em que medida acha que os governos em Portugal estão protegidos de pressões excessivas do poder económico?" Noutro indicador, 54% dos inquiridos afirmam que "os compromissos perante a UE fazem com que os políticos não tenham autonomia para defender os interesses dos cidadãos".

"O que é mais interessante e novo é a noção que as pessoas têm de capitulação do Governo perante os outros países e os poderes erráticos", afirma Luís de Sousa. E António Costa Pinto sustenta que "os recentes casos de nomeações em período de crise consagram ainda mais a fraca opinião de que os políticos têm capacidade política de responder". E conclui: "Há uma desconfiança que está associada à ideia de ineficácia."Por outro lado, António Costa Pinto considera que "os portugueses acham que o Governo está condicionado" e adverte que, "em conjunturas destas, dá vantagem aos governos para legislarem como querem, recorrendo à fundamentação de que Portugal não tem autonomia". E Luís de Sousa diz que esta noção de falta de autonomia "perante a vinda da troika foi clarividente".

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