quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Processo-crime à actuação da polícia

fonte: ionline

24 Novembro. “Infiltrados” põem PSP e MAI em maus lençóis
Por Joana Azevedo Viana, publicado em 8 Dez 2011 - 03:00 | Actualizado há 13 horas 20 minutos

PGR vai “analisar questão” de abrir processo-crime à actuação policial. PSP diz que já existem “algumas conclusões” – para já confidenciais – na investigação interna ao caso



Há duas semanas que os incidentes frente à Assembleia da República, a 24 de Novembro, fazem correr tinta em redes e blogues de movimentos sociais, quer pela carga policial de que os manifestantes foram alvo, quer pela alegada presença de agentes da Polícia de Segurança Pública (PSP) infiltrados na manifestação que teriam, segundo testemunhos, provocado alegadamente os incidentes.

Anteontem, depois de declarações públicas contraditórias pelo ministro da Administração Interna, o advogado Garcia Pereira enviou um pedido à Procuradoria-Geral da República (PGR) para que seja aberto um processo-crime à actuação da polícia no dia da greve geral. A assessoria da PGR confirmou ontem ao i que “foram recebidos a participação e os documentos enviados pelo sr. dr. Garcia Pereira” e que “o procurador-geral da República vai analisar a questão” – sem avançar prazos para uma resposta.

Apesar de as alegações já estarem a ser alvo de uma investigação interna pela PSP – ao contrário de acusações semelhantes feitas no rescaldo da manifestação de 15 de Outubro –, até agora a denúncia não gerou desmentidos claros, nem pela Direcção Nacional da PSP nem pelo Ministério da Administração Interna.

Contactado pelo i, o porta-voz da PSP disse ontem que a polícia “não vai pura e simplesmente reagir” às acusações, sobretudo agora que a PGR entrou em jogo. “Temos de esperar pela decisão da Procuradoria para nos pronunciarmos”, disse o comissário Paulo Flor. Questionado sobre o decorrer da investigação interna, o porta-voz da PSP avançou que “já existem algumas conclusões”, para já “sob regime de confidencialidade”, que também não serão avançadas enquanto a PGR não se pronunciar sobre a abertura ou não de um processo-crime aos agentes.

Desditos 
Ao contrário do director nacional da PSP, Guedes da Silva – que acabaria por vir confirmar “que polícias à civil se integraram como manifestantes e provocadores em funções de defesa pública na própria manifestação” –, o ministro Miguel Macedo tentou negar a presença de infiltrados, mudando depois de discurso ao fazer a distinção entre “agentes infiltrados” e “agentes à paisana” e defendendo a actuação da polícia no decorrer do protesto em São Bento.

“Não aceito esse epíteto de agentes provocadores. A polícia tenta evitar riscos. É um salto perigoso que não posso consentir que seja dado: confundir agentes à paisana com agentes infiltrados”, repetiu anteontem em entrevista à TVI24. Antes de ir ao programa “Política Mesmo”, Macedo já tinha admitido que afinal houve “agentes à paisana” no protesto, mas que prefere “esperar pela investigação” interna da PSP para se pronunciar. Na entrevista assegurou que a existência de agentes provocadores “é completamente à margem da lei, não pode acontecer e não vai acontecer”, sublinhando “a agressão bárbara produzida sobre um agente da PSP naquelas circunstâncias, [que] foi violentamente agredido”.

A agressão ao agente é outro ponto confuso: para além da denunciada carga policial (que o ministro também nega) em frente à escadaria da Assembleia, alegadamente provocada pelas acções dos agentes infiltrados, um outro incidente marcou o dia da greve geral.

O cidadão alemão que foi abordado por três agentes à paisana na Calçada da Estrela – e que a polícia e alguns media classificaram de imediato de “perigoso”, “o monstro” e homem procurado pela Interpol – não é afinal procurado por nenhuma polícia e nenhum dos agentes se identificou como tal perante ele. Manuel Beck reagiu como “qualquer civil reagiria numa situação de ameaça por outro civil: ou tenta fugir ou tenta defender- -se”, como explicou ao i Renato Teixeira, autor da denúncia da actuação policial no blogue 5dias.net e um dos organizadores da manifestação do 15 de Outubro.

Foi durante a detenção de Beck que um dos agentes ficou ferido, ferimentos que “tanto podem ter sido cometidos por manifestantes como pelos próprios polícias fardados que se dirigiram ao local”, defende Renato Teixeira. “Pior do que haver agentes à paisana ou infiltrados na manifestação de 24 de Novembro”, defende, “está a acção directa dos agentes, que provocou efeitos que podiam ter sido ainda piores. O que aconteceu podia ter levado a motins como tem acontecido na Grécia ou em Espanha, onde também há provas documentais da existência de agentes provocadores infiltrados. O governo tem de dar explicações perante as provas”, defende.

Provas 
As imagens e vídeos a circular na internet mostram que o mesmo agente que viria a estar envolvido em detenções no cimo da escadaria da Assembleia estava, minutos antes, em frente à escadaria a enfrentar a polícia de intervenção. O episódio foi seguido com atenção pelos jornalistas e fotógrafos em trabalho (sem que na altura se soubesse que o manifestante violento era um agente à paisana). No decorrer da carga, entre os vários detidos contava-se um fotógrafo em serviço que foi agredido e levado para a esquadra, onde só então conseguiu identificar-se como repórter e ser libertado. O fotógrafo confirmou ao i que vai apresentar queixa da agressão e detenção, processo-crime que já tinha sido anunciado e apoiado pelo Sindicato dos Jornalistas.

Detenções 
À parte deste caso houve sete detidos na manifestação, cada um levado a julgamento nos últimos dias. Luísa Acabado, advogada de um dos detidos e membro do grupo de apoio legal do 24N, esteve ontem no julgamento do arguido que defende, cuja “sentença será lida a 16 de Dezembro”, conforme avançou ao i.

Tal como está a acontecer com os sete detidos, arguidos em processos que a PSP justifica com “desobediência civil”, há cada vez mais pessoas e entidades a exigir que os agentes responsáveis pelos episódios de violência também sejam levados à justiça. A mesma premissa já foi defendida publicamente nas últimas semanas por membros do sistema judicial, como o advogado Garcia Pereira e o bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto – que veio falar em “actuação vergonhosa e indigna” da polícia que justifica a abertura de “um inquérito parlamentar”.

Para já, PSP e MAI mantêm-se em silêncio. Para Renato Teixeira, a solução deve passar por “dois palcos” – o da justiça, levando os agentes responsáveis a julgamento, e o da política, perante provas negadas e depois admitidas em parte pelo ministro Miguel Macedo. “Só temos feito acusações que podemos provar. E se, mesmo perante estas provas, o ministro conseguir que o Ministério Público feche os olhos e que tudo seja arquivado, isso será ainda mais grave do que se os responsáveis forem levados à justiça, que por si só já é grave.”

Grave, sobretudo, pelos efeitos das alegações na população. “Qualquer fim do processo sem consequências será uma acendalha de consequências imprevisíveis. Se as pessoas já reagem sem simpatia à austeridade, com menos simpatia reagem à ditadura”, defende o blogger. “E se tal acontecer, que não venham a PSP e o ministro acusar as pessoas de serem radicais, porque os primeiros a pisar o risco num sistema supostamente democrático foram o ministro e o director-geral da PSP.”

A “instigação à violência por parte de elementos não identificados e não fardados da polícia” denunciada pelo grupo de acção legal do 24N – “graves suspeitas” que ontem Manuel António Pina dizia, na sua coluna de opinião no “Jornal de Notícias”, ilustrarem a PSP a fazer “o mal e a caramunha” na manifestação – abre precedentes graves, como pôr a sociedade vulnerável à “declaração de lei marcial”. “Na sequência disto”, conclui Renato Teixeira, “se provado que o ministro não tem razão [ao negar a presença de infiltrados e carga policial injustificada, Macedo] só tem um caminho: abandonar o cargo para que alguém faça o seu trabalho com verdade e justiça.”

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