fonte: Público
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Uma canção de protesto não faz uma Primavera americana. Mas eles prometem ficar
Casey começou a pensar em tudo o que está errado na América e concluiu que tudo ia dar a Wall Street. Os protestos começaram há duas semanas
Reportagem
São onze da manhã e há 19 veículos policiais virados de frente para Liberty Plaza, um rectângulo de betão no coração da Baixa nova-iorquina onde raramente bate o sol. Na última semana, a praça converteu-se num acampamento, mas nada que pareça justificar tanta presença policial. A tinta dos slogans está fresca. "Ocupem Wall Street". Um pequeno grupo toca percussão. Há colchões insufláveis no chão e lona azul para proteger da chuva. Rapazes dormem enrolados em sacos-cama. A revolução pode esperar.
Os protestos populares em Wall Street começaram a 17 de Setembro, quando um grupo de manifestantes decidiu marchar até à Bolsa de Nova Iorque, com a intenção de ocupar a rua - apenas para encontrar o local barricado por polícias. (Falando num programa de rádio na véspera, o mayor bilionário de Nova Iorque, Michael Bloomberg, notou que muitos jovens americanos recém-licenciados não conseguem encontrar emprego e, referindo-se à revolta egípcia que derrubou o regime de Hosni Mubarak e às manifestações em Espanha contra as medidas de austeridade do Governo, acrescentou: "Não queremos esse tipo de motins aqui".) Face ao cerco policial em Wall Street, o grupo decidiu ocupar Liberty Plaza, a três quarteirões de distância. Cerca de duas centenas concentram-se ali todos os dias. Alguns passam a noite no local. "Eu vou ficar aqui enquanto isto durar", diz Kelly Heresy, de 33 anos, cabelo claro caído sobre os ombros e óculos. "Isto não tem um fim à vista. Mesmo que dure meses, é aqui que vou estar. Eu vivo aqui, nesta praça, agora."
A ideia de ocupar Wall Street foi originalmente sugerida pela revista de esquerdaAdBusters, esperando que a recessão económica dos últimos três anos nos Estados Unidos pudesse produzir o mesmo movimento popular que brotou na Praça Tahrir, no centro do Cairo. Mas até agora os protestos contra Wall Street não conseguiram atrair as 20 mil pessoas que a AdBusters idealizara; nos últimos dois sábados, que geraram as maiores concentrações, as estimativas mais generosas terminaram nos cinco mil participantes. Nem por isso os manifestantes deixam de se comparar à Praça Tahrir ou aos protestos em Espanha e na Grécia. "Isto também é uma réplica americana a esses movimentos", resume Kelly Heresy.
Donativos do povo
Um grupo percorre um canto da praça empurrando carrinhos com caixas empilhadas enquanto grita em coro: "O mundo inteiro está a ver!" A manifestação tem agora uma morada postal - Occupy Wall Street, 118A Fulton Street, #205 - para onde as pessoas podem enviar os seus donativos em comida e outros géneros. Na véspera receberam uma encomenda. Hoje, meia centena. Estão tão excitados quanto crianças na noite de Natal. Começam a abrir as caixas. Pão para cachorros-quentes. Marcadores pretos. Velas de cera. Tampax. Toalhetes húmidos. Pilhas. Uma cafeteira eléctrica. Um moinho de café. Cereais biológicos. Um frasco de vitaminas remetido do Arizona. Tabaco, mortalhas e uma máquina de enrolar, de Albany, capital do estado de Nova Iorque. Alguns enviaram notas juntamente com a encomenda: "Gostava de poder enviar mais. Continuem a lutar pelo que está certo." Ou: "Quando a revolução acabar, por favor deixem de fumar."
Amy Hamburger, de 29 anos, sorri: "Tudo isto é financiado pelo povo".
Casey O"Neill, alto e esguio, sardas e duas vírgulas de barba no queixo, despediu-se do seu emprego na Califórnia e comprou um bilhete de avião - só ida - para Nova Iorque, para participar nos protestos. "Eu tinha um dos trabalhos mais entediantes que se podem ter e a maior parte do tempo estava feliz só por ter um emprego. E a dada altura senti-me indignado com isso. "Por que hei-de estar feliz por ter um emprego de trampa?"" Casey, de 34 anos, começou a pensar em tudo o que está errado na América e concluiu que tudo ia dar a Wall Street, ou ao que Wall Street simboliza - o poder e a influência dos ricos.
O casal Edward e Robin Mohanen está sentado em cadeiras desdobráveis num dos lados da Liberty Plaza, como se ocupassem o seu próprio espaço. Não precisam de se mexer para atrair curiosos, o banjo de Edward trata de fazê-lo. O nome artístico do duo é Uncle Eddie and Robin. O que também os distingue da maior parte dos ocupantes da praça é a idade: ele tem 63 anos, ela 56. Vieram de West Virginia, um estado que não é conhecido - e aqui Robin completa a frase - "por ser um lugar muito progressista". "Eu não poderia começar uma coisa destas lá", diz. "Por isso, não há dúvida de que tínhamos de vir aqui." Robin participou em marchas contra a guerra do Vietname e em defesa dos direitos das mulheres "nos velhos tempos", mas diz-se "feliz" por ter "vivido o suficiente para poder estar aqui e ver isto acontecer". "As desigualdades [sociais] tornaram-se tão gigantescas nos últimos 30 anos que é ridículo." No site dos protestos contra Wall Street, occupywallst.org, lê-se que a única coisa que os seus participantes têm em comum é pertencerem aos "99% que já não toleram a ganância e corrupção de 1%".
"Eu não sou um socialista", diz Eddie. "Não acredito que o capitalismo deve ser eliminado. Qualquer pessoa deve ter o direito e a oportunidade de trabalhar duro e melhorar a sua condição. E não me oponho a que algumas pessoas tenham um nível de vida mais alto em resultado disso. Mas acho que devia haver uma fasquia abaixo da qual não se deveria permitir que as pessoas caíssem. E isso não existe no actual sistema económico."
Eddie e Robin têm uma canção para quem estiver disposto a ouvi-los. O título é Let "em eat cake, inspirado na célebre frase atribuída a Maria Antonieta quando uns pobres foram ao Palácio de Versalhes pedir pão: "Se não têm pão, que comam bolos!" (O fim da história não foi feliz para a rainha, que morreu na guilhotina.) Na canção de Eddie e Robin, Wall Street repete a frase de Maria Antonieta.
"Que comam bolos. Que bebam champanhe.
Que respirem o caro ar filtrado que nós lhes vendemos.
Explorem-nos, mas não lhes digam nada.
Pensem só em todo o dinheiro que farei."
Em inglês tudo isto rima, claro.
Como a revolução em Tahrir, os protestos em Wall Street também não têm um líder. "Esta praça é uma zona de democracia participativa", anuncia Kelly Heresy. "Aqui não há líderes. Qualquer pessoa que queira falar tem essa oportunidade." "Todos são líderes", atalha Marisa Holmes, de 25 anos, de Columbus, Ohio. "Nós temos princípios de solidariedade que definem o que somos enquanto grupo", explica.
Duas vezes por dia, o grupo realiza uma "assembleia geral" para planear a agenda e discutir actividades. Qualquer decisão depende do consenso.
Na tarde a que o PÚBLICO assistiu, Victoria, uma rapariga com meias e cabelo bicolores, anunciou que o grupo está a tentar abrir uma conta bancária para receber donativos. Outra rapariga propôs que o grupo cantasse Heal the World. Uma jornalista da revista New Yorker fez-se anunciar, dizendo que tinha um inquérito para os ocupantes de Wall Street preencherem. (Entre as perguntas, esta: "O que teria de acontecer para acabares o protesto e ires para casa?")
Isto é "uma coisa séria"
O grupo de Wall Street não tem um objectivo específico, nem uma lista de exigências, o que tem dificultado as tentativas de definição. Os seus membros dizem-se vítimas de um "apagão mediático", acusando a imprensa americana de ignorá-los. Não é inteiramente verdade: o grupo não tem tido boa imprensa, o que não é o mesmo que não ter imprensa.
No domingo, o New York Times publicou uma reportagem céptica e quase mordaz que descrevia a ocupação como "um carnaval" e uma "pantomima do esquerdismo". De resto, nos últimos dias, os protestos têm tido ampla expressão mediática - incluindo noTimes - por causa de dois factores: o incidente, no passado sábado, em que um inspector da polícia de Nova Iorque, sem motivo aparente nem advertência, lançou gás-pimenta sobre duas manifestantes (ao fim de alguns dias e depois de inicialmente ter defendido o comportamento do inspector, o departamento da polícia de Nova Iorque prometeu uma investigação); e o apoio ou visitas-surpresa de gente mediática nos últimos dias.
Noam Chomsky, o intelectual e activista de esquerda, escreveu uma carta aberta elogiando os protestos. Michael Moore, que se encontra em Nova Iorque para promover a sua autobiografia, apareceu na segunda-feira. A actriz Susan Sarandon, na terça. E, nesta quarta-feira, Russell Simmons, co-fundador da influente editora discográfica Def Jam, descrito pelo seu assessor como "o primeiro magnata do hip-hop". Apesar de ter acabado de chegar e de só permanecer no local durante alguns minutos, Simmons fala no plural: "Se continuarmos activos, a semente que estamos a plantar hoje irá crescer e transformar-se num movimento que nos há-de livrar da ganância empresarial." O homem que diz isto tem uma fortuna avaliada em 340 milhões de dólares. "Não interessa se eles estão aqui para nos apoiar ou para se autopromoverem", diz Hero Vincent, de 21 anos, sobre os convidados mediáticos. O que interessa é que cada vez mais pessoas reparem nos protestos. Romper o "apagão mediático". Essa expressão outra vez. (P.S.: Hero telefonou ontem de manhã a avisar que os Radiohead iam dar um concerto na praça durante a tarde.)
"A imprensa não percebe o que se está a passar aqui", diz Casey O"Neill. "É difícil explicar a quem não está aqui. Mas muitas das pessoas que nos apoiam não precisam de uma explicação. Elas sabem visceralmente por que estamos aqui, porque estão a passar dificuldades económicas."
Nesse caso, por que não se juntaram aos protestos?
"Porque não podem. Esta manhã recebemos uma carta de Boise, no Idaho, que só dizia: "Estou convosco". Muitas pessoas não têm maneira de chegar aqui porque são pobres, porque têm responsabilidades, ou porque têm filhos. Creio que outra das razões é porque têm medo de vir depois de terem visto as notícias sobre a brutalidade da polícia, que não é a regra neste espaço. E acho que há pessoas que hesitam em participar porque isto exige um investimento emocional que muita gente não está disposta a fazer nos dias de hoje. Encaram o futuro com tanto pessimismo que não acreditam que isto possa resultar."
Uma parte do grupo começa a marchar na direcção de Wall Street, um ritual repetido duas vezes por dia, para coincidir com a abertura e fecho da Bolsa nova-iorquina. Os tambores seguem no pelotão da frente, as palavras de ordem são gritadas pela cauda. Os cartazes, levantados no alto, têm uma caligrafia tosca e foram improvisados em restos de cartão, como os que os sem-abrigo costumam usar. A rua passa, tira fotografias, e continua a passar. O guarda frente à porta da bolsa dança ao ritmo da percussão, com óbvio desdém. Uma coluna de polícias acompanha todo o percurso da marcha, do lado de fora do passeio.
Marisa Holmes acompanhou a revolução em Tahrir ao vivo, durante mais de um mês. "Aprendi imenso com a luta deles." Há uma semana, a polícia deteve mais de 80 manifestantes, incluindo ela. "Não estamos a fazer isto para nos divertirmos. Estamos a apelar a uma revolução e isso é uma coisa séria", diz. "Estou disposta a correr todos os riscos que isso implica, a dar o peito às balas e a passar o resto da vida nesta luta."
Os protestos populares em Wall Street começaram a 17 de Setembro, quando um grupo de manifestantes decidiu marchar até à Bolsa de Nova Iorque, com a intenção de ocupar a rua - apenas para encontrar o local barricado por polícias. (Falando num programa de rádio na véspera, o mayor bilionário de Nova Iorque, Michael Bloomberg, notou que muitos jovens americanos recém-licenciados não conseguem encontrar emprego e, referindo-se à revolta egípcia que derrubou o regime de Hosni Mubarak e às manifestações em Espanha contra as medidas de austeridade do Governo, acrescentou: "Não queremos esse tipo de motins aqui".) Face ao cerco policial em Wall Street, o grupo decidiu ocupar Liberty Plaza, a três quarteirões de distância. Cerca de duas centenas concentram-se ali todos os dias. Alguns passam a noite no local. "Eu vou ficar aqui enquanto isto durar", diz Kelly Heresy, de 33 anos, cabelo claro caído sobre os ombros e óculos. "Isto não tem um fim à vista. Mesmo que dure meses, é aqui que vou estar. Eu vivo aqui, nesta praça, agora."
A ideia de ocupar Wall Street foi originalmente sugerida pela revista de esquerdaAdBusters, esperando que a recessão económica dos últimos três anos nos Estados Unidos pudesse produzir o mesmo movimento popular que brotou na Praça Tahrir, no centro do Cairo. Mas até agora os protestos contra Wall Street não conseguiram atrair as 20 mil pessoas que a AdBusters idealizara; nos últimos dois sábados, que geraram as maiores concentrações, as estimativas mais generosas terminaram nos cinco mil participantes. Nem por isso os manifestantes deixam de se comparar à Praça Tahrir ou aos protestos em Espanha e na Grécia. "Isto também é uma réplica americana a esses movimentos", resume Kelly Heresy.
Donativos do povo
Um grupo percorre um canto da praça empurrando carrinhos com caixas empilhadas enquanto grita em coro: "O mundo inteiro está a ver!" A manifestação tem agora uma morada postal - Occupy Wall Street, 118A Fulton Street, #205 - para onde as pessoas podem enviar os seus donativos em comida e outros géneros. Na véspera receberam uma encomenda. Hoje, meia centena. Estão tão excitados quanto crianças na noite de Natal. Começam a abrir as caixas. Pão para cachorros-quentes. Marcadores pretos. Velas de cera. Tampax. Toalhetes húmidos. Pilhas. Uma cafeteira eléctrica. Um moinho de café. Cereais biológicos. Um frasco de vitaminas remetido do Arizona. Tabaco, mortalhas e uma máquina de enrolar, de Albany, capital do estado de Nova Iorque. Alguns enviaram notas juntamente com a encomenda: "Gostava de poder enviar mais. Continuem a lutar pelo que está certo." Ou: "Quando a revolução acabar, por favor deixem de fumar."
Amy Hamburger, de 29 anos, sorri: "Tudo isto é financiado pelo povo".
Casey O"Neill, alto e esguio, sardas e duas vírgulas de barba no queixo, despediu-se do seu emprego na Califórnia e comprou um bilhete de avião - só ida - para Nova Iorque, para participar nos protestos. "Eu tinha um dos trabalhos mais entediantes que se podem ter e a maior parte do tempo estava feliz só por ter um emprego. E a dada altura senti-me indignado com isso. "Por que hei-de estar feliz por ter um emprego de trampa?"" Casey, de 34 anos, começou a pensar em tudo o que está errado na América e concluiu que tudo ia dar a Wall Street, ou ao que Wall Street simboliza - o poder e a influência dos ricos.
O casal Edward e Robin Mohanen está sentado em cadeiras desdobráveis num dos lados da Liberty Plaza, como se ocupassem o seu próprio espaço. Não precisam de se mexer para atrair curiosos, o banjo de Edward trata de fazê-lo. O nome artístico do duo é Uncle Eddie and Robin. O que também os distingue da maior parte dos ocupantes da praça é a idade: ele tem 63 anos, ela 56. Vieram de West Virginia, um estado que não é conhecido - e aqui Robin completa a frase - "por ser um lugar muito progressista". "Eu não poderia começar uma coisa destas lá", diz. "Por isso, não há dúvida de que tínhamos de vir aqui." Robin participou em marchas contra a guerra do Vietname e em defesa dos direitos das mulheres "nos velhos tempos", mas diz-se "feliz" por ter "vivido o suficiente para poder estar aqui e ver isto acontecer". "As desigualdades [sociais] tornaram-se tão gigantescas nos últimos 30 anos que é ridículo." No site dos protestos contra Wall Street, occupywallst.org, lê-se que a única coisa que os seus participantes têm em comum é pertencerem aos "99% que já não toleram a ganância e corrupção de 1%".
"Eu não sou um socialista", diz Eddie. "Não acredito que o capitalismo deve ser eliminado. Qualquer pessoa deve ter o direito e a oportunidade de trabalhar duro e melhorar a sua condição. E não me oponho a que algumas pessoas tenham um nível de vida mais alto em resultado disso. Mas acho que devia haver uma fasquia abaixo da qual não se deveria permitir que as pessoas caíssem. E isso não existe no actual sistema económico."
Eddie e Robin têm uma canção para quem estiver disposto a ouvi-los. O título é Let "em eat cake, inspirado na célebre frase atribuída a Maria Antonieta quando uns pobres foram ao Palácio de Versalhes pedir pão: "Se não têm pão, que comam bolos!" (O fim da história não foi feliz para a rainha, que morreu na guilhotina.) Na canção de Eddie e Robin, Wall Street repete a frase de Maria Antonieta.
"Que comam bolos. Que bebam champanhe.
Que respirem o caro ar filtrado que nós lhes vendemos.
Explorem-nos, mas não lhes digam nada.
Pensem só em todo o dinheiro que farei."
Em inglês tudo isto rima, claro.
Como a revolução em Tahrir, os protestos em Wall Street também não têm um líder. "Esta praça é uma zona de democracia participativa", anuncia Kelly Heresy. "Aqui não há líderes. Qualquer pessoa que queira falar tem essa oportunidade." "Todos são líderes", atalha Marisa Holmes, de 25 anos, de Columbus, Ohio. "Nós temos princípios de solidariedade que definem o que somos enquanto grupo", explica.
Duas vezes por dia, o grupo realiza uma "assembleia geral" para planear a agenda e discutir actividades. Qualquer decisão depende do consenso.
Na tarde a que o PÚBLICO assistiu, Victoria, uma rapariga com meias e cabelo bicolores, anunciou que o grupo está a tentar abrir uma conta bancária para receber donativos. Outra rapariga propôs que o grupo cantasse Heal the World. Uma jornalista da revista New Yorker fez-se anunciar, dizendo que tinha um inquérito para os ocupantes de Wall Street preencherem. (Entre as perguntas, esta: "O que teria de acontecer para acabares o protesto e ires para casa?")
Isto é "uma coisa séria"
O grupo de Wall Street não tem um objectivo específico, nem uma lista de exigências, o que tem dificultado as tentativas de definição. Os seus membros dizem-se vítimas de um "apagão mediático", acusando a imprensa americana de ignorá-los. Não é inteiramente verdade: o grupo não tem tido boa imprensa, o que não é o mesmo que não ter imprensa.
No domingo, o New York Times publicou uma reportagem céptica e quase mordaz que descrevia a ocupação como "um carnaval" e uma "pantomima do esquerdismo". De resto, nos últimos dias, os protestos têm tido ampla expressão mediática - incluindo noTimes - por causa de dois factores: o incidente, no passado sábado, em que um inspector da polícia de Nova Iorque, sem motivo aparente nem advertência, lançou gás-pimenta sobre duas manifestantes (ao fim de alguns dias e depois de inicialmente ter defendido o comportamento do inspector, o departamento da polícia de Nova Iorque prometeu uma investigação); e o apoio ou visitas-surpresa de gente mediática nos últimos dias.
Noam Chomsky, o intelectual e activista de esquerda, escreveu uma carta aberta elogiando os protestos. Michael Moore, que se encontra em Nova Iorque para promover a sua autobiografia, apareceu na segunda-feira. A actriz Susan Sarandon, na terça. E, nesta quarta-feira, Russell Simmons, co-fundador da influente editora discográfica Def Jam, descrito pelo seu assessor como "o primeiro magnata do hip-hop". Apesar de ter acabado de chegar e de só permanecer no local durante alguns minutos, Simmons fala no plural: "Se continuarmos activos, a semente que estamos a plantar hoje irá crescer e transformar-se num movimento que nos há-de livrar da ganância empresarial." O homem que diz isto tem uma fortuna avaliada em 340 milhões de dólares. "Não interessa se eles estão aqui para nos apoiar ou para se autopromoverem", diz Hero Vincent, de 21 anos, sobre os convidados mediáticos. O que interessa é que cada vez mais pessoas reparem nos protestos. Romper o "apagão mediático". Essa expressão outra vez. (P.S.: Hero telefonou ontem de manhã a avisar que os Radiohead iam dar um concerto na praça durante a tarde.)
"A imprensa não percebe o que se está a passar aqui", diz Casey O"Neill. "É difícil explicar a quem não está aqui. Mas muitas das pessoas que nos apoiam não precisam de uma explicação. Elas sabem visceralmente por que estamos aqui, porque estão a passar dificuldades económicas."
Nesse caso, por que não se juntaram aos protestos?
"Porque não podem. Esta manhã recebemos uma carta de Boise, no Idaho, que só dizia: "Estou convosco". Muitas pessoas não têm maneira de chegar aqui porque são pobres, porque têm responsabilidades, ou porque têm filhos. Creio que outra das razões é porque têm medo de vir depois de terem visto as notícias sobre a brutalidade da polícia, que não é a regra neste espaço. E acho que há pessoas que hesitam em participar porque isto exige um investimento emocional que muita gente não está disposta a fazer nos dias de hoje. Encaram o futuro com tanto pessimismo que não acreditam que isto possa resultar."
Uma parte do grupo começa a marchar na direcção de Wall Street, um ritual repetido duas vezes por dia, para coincidir com a abertura e fecho da Bolsa nova-iorquina. Os tambores seguem no pelotão da frente, as palavras de ordem são gritadas pela cauda. Os cartazes, levantados no alto, têm uma caligrafia tosca e foram improvisados em restos de cartão, como os que os sem-abrigo costumam usar. A rua passa, tira fotografias, e continua a passar. O guarda frente à porta da bolsa dança ao ritmo da percussão, com óbvio desdém. Uma coluna de polícias acompanha todo o percurso da marcha, do lado de fora do passeio.
Marisa Holmes acompanhou a revolução em Tahrir ao vivo, durante mais de um mês. "Aprendi imenso com a luta deles." Há uma semana, a polícia deteve mais de 80 manifestantes, incluindo ela. "Não estamos a fazer isto para nos divertirmos. Estamos a apelar a uma revolução e isso é uma coisa séria", diz. "Estou disposta a correr todos os riscos que isso implica, a dar o peito às balas e a passar o resto da vida nesta luta."
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