Democracia e novos movimentos sociais
ARTIGO | 9 OUTUBRO, 2011 - 00:20
Uma das fundadoras do Movimento 12 de Março, Paula Gil, falou ao esquerda.net sobre os desafios que os movimentos sociais enfrentam neste momento de retrocesso civilizacional, de crise económica e social, e referiu quais os objectivos que presidem à manifestação marcada para o próximo dia 15 de Outubro, e que terá início pelas 15h, no Marquês de Pombal.
Entrevista com Paula Gil, uma das fundadoras do Movimento 12 de Março.
O que é que nos revelam momentos de intensa mobilização social como o 12 de Março?
Veio revelar que, de facto, há uma indignação latente na sociedade de pessoas que não se revêem nas políticas adoptadas, que não as têm em conta, que não são centradas no seu bem-estar e qualidade de vida, e que são submissas a todo um lóbi económico que controla as democracias. E, nesse sentido, a mobilização das pessoas contra este ataque, contra esta emergência social latente que está a ser aplicada de forma injusta aos mais vulneráveis na nossa sociedade é muito importante. É importante que as pessoas saiam à rua, que protestem, que contestem todas estas alterações, que façam valer os direitos consagrados na nossa constituição, nomeadamente os direitos de manifestação, os direitos de liberdade de expressão, e que, dessa forma, possam fazer a pressão necessária para alterar as políticas adoptadas, as políticas de austeridade que têm vindo a ser implementadas e que nos afectam diariamente e não nos deixam sobreviver neste momento.
Quais são os próximos grandes desafios para os movimentos sociais no momento actual de retrocesso civilizacional, de crise económica e social?
Existe uma grande necessidade de mobilização. Essa mobilização é muito difícil tendo em conta o discurso hegemónico que está a ser passado e que apela à inevitabilidade, à necessidade de as pessoas se submeterem a este ataque, a esta agressão externa que estamos a sofrer neste momento, e a necessidade do “respeitinho”, a ideia de que um bom cidadão é um cidadão que respeita, é um cidadão que cumpre, é um cidadão que só tem deveres e que, portanto, a sua participação é feita através da submissão a uma situação que nos oprime e que não nos permite continuar a viver diariamente com qualidade de vida. Estes direitos, que temos vindo a perder continuadamente, que vêm de lutas anteriores, de gerações anteriores, que lutaram pelo direito ao trabalho e por um trabalho com direitos, que lutaram por uma democracia na qual as pessoas vejam a sua voz representada, estão neste momento a ser retirados mediante a apresentação de medidas que não debatidas, que não são explicadas e que não protegem as pessoas, que é o fim último de um Estado, a protecção, o guarda-chuva de protecção, que este cria em torno das pessoas, centrando as suas políticas nas pessoas e ao serviço das pessoas, o que não se verifica em Portugal e em muitos outros países da Europa neste momento.
Considera que a precariedade social e laboral atinge exclusivamente os mais jovens?
O ataque é brutal e é dirigido a todas as pessoas. Não há uma diferença geracional. É necessário a mobilização de todos. Esta questão é muito importante, porque uma das grandes críticas que nos têm sido feitas é que há uma luta dos jovens para ganhar direitos que os mais velhos têm, que os mais jovens querem sair da precariedade roubando direitos aos mais velhos. Isso não é verdade. A precariedade faz parte de uma história comum, de uma luta comum, que é desenvolvida desde, pelo menos, do século XVIII, e que é um referente sociocultural para todos nós. E, por isso, é importante que todos nós juntos saiamos à rua e demonstremos que, não só os jovens são precários como os reformados estão numa situação terrível de sobrevivência, com as reformas a serem reduzidas ou mantidas sem se ter em conta a inflação e o preço de vida neste momento, que existe também a tendência para nos roubarem direitos sociais e políticos, o que se denota na abstenção, que tem vindo a crescer continuamente. As pessoas não votam não porque não acreditam no sistema partidário, ou porque não acreditam no sistema democrático, mas sim porque não o percebem, o discurso não é feito para as pessoas mas sim para especialistas e isso tira o debate à sociedade civil e retira a representatividade. Nós queremos uma democracia participativa, todos nós, sejamos novos ou mais velhos, porque somos nós, pessoas comuns que convivemos directamente com estas políticas que nos apresentam, que sabemos como podemos viver e sobreviver todos os dias com 475 euros.
Quais serão as iniciativas do movimento social português mais importantes num futuro próximo?
No dia 15 de Outubro há uma nova mobilização, desta vez no facebook, que estamos a tentar que junte o maior número de pessoas, por uma democracia mais participativa, por maior transparência e por direitos dignos e justos no trabalho. Neste sentido, é importante que estas mobilizações tenham o maior número de pessoas possível, de idades diferentes. Nós vamos sair novamente pacificamente para as ruas, queremos demonstrar que a nossa democracia, com os instrumentos que põe à nossa disposição, nos permite a pressão social necessária para que os nossos direitos sejam salvaguardados. É essencial que exista essa coesão social porque o ataque é directo às maiorias vulneráveis que existem no nosso país neste momento e que se encontram numa situação de vida insustentável, numa precariedade de vida que já não engloba só o emprego e que não é inevitável.
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